domingo, 14 de outubro de 2012

A Noite





Mas a noite ventosa, a noite límpida 
que a lembrança somente aflorava, está longe, 
é uma lembrança. Perdura uma calma de espanto, 
feita também ela de folhas e de nada. Desse tempo 
mais distante que as recordações apenas resta 
um vago recordar. 

                   As vezes volta à luz do dia, 
na imóvel luz dos dias de Verão, 
aquele espanto remoto. 

                               Pela janela vazia 
o menino olhava a noite nas colinas 
frescas e negras, e espantava-se de as ver assim tão juntas: 
vaga e límpida imobilidade. Entre a folhagem 
que sussurrava na escuridão, apareciam as colinas 
onde todas as coisas do dia, as ladeiras 
e as árvores e os vinhedos, eram nítidas e mortas 
e a vida era outra, de vento, de céu, 
e de folhas e de coisa nenhuma. 

                                        Às vezes regressa 
na imóvel calma do dia a recordação 
daquele viver absorto, na luz assombrada. 

Cesare Pavese, in 'Trabalhar Cansa' 
Tradução de Carlos Leite

Um comentário:

  1. Existem muitas coisas, muitos sentimentos, muitas emoções, dentro de momentos de reflexão. Aparentemente distantes, mas ao piscar dos olhos, logo ali, a menos de um passo do coração. Esses mistos se fundem ao que sentimos e ao que queremos sentir, e só é preciso uma faísca, pra que possam explodir e sair. Tão longe, tão logo ali. Nada faz, mas tem sentindo. Tem sentindo? Faz sentido? Sinto!

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